O cenário dos autos parecia improvável para a realização de acordo: um caso tributário já em fase de ação rescisória promovida pela Fazenda Nacional e em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que se discutia o parcelamento da dívida milionária de uma grande empresa. Foi nesse contexto, porém, que as partes chegaram a uma solução consensual, e o acordo foi homologado pelo ministro Paulo Sérgio Domingues no dia 22 de outubro.
A transação resolve um litígio que já ultrapassava duas décadas. Para o ministro, o acordo demonstra como o diálogo sempre pode levar a uma solução que não esteja a cargo apenas do juiz, mesmo quando a demanda envolva a Fazenda Pública e se encontre em um estágio processual tão avançado como a rescisória.
“É importante que os litigantes percebam essa solução como um caminho a ser traçado para que se diminua o congestionamento dos tribunais”, afirmou Domingues.
De acordo com a procuradora Lana Borges e o procurador Euclides Sigoli – representantes da Fazenda no acordo –, a busca de uma solução consensual levou em consideração não apenas o tempo em que a dívida estava em aberto, mas também a avaliação de que o desfecho do litígio era incerto para ambas as partes. Os dois também apontaram que a redução da litigiosidade e a regularidade fiscal do contribuinte são temas relevantes para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
“A empresa tem uma função social, enquanto núcleo gerador de empregos e riqueza. O contribuinte é um cliente que a Fazenda Nacional recebe de portas abertas para o diálogo, e não um opositor. Nesse contexto, o crédito e o interesse públicos prosseguem sendo indisponíveis, já que a lei tem que ser cumprida. Mas as disputas inúteis devem ser evitadas ao máximo, e isso se reverte em favor do Sistema de Justiça e de toda a sociedade”, afirmaram.
No mesmo sentido, o advogado da empresa, Luiz Gustavo Bichara, ressaltou o ineditismo da experiência para ele – especialmente em uma ação como essa – e elogiou a possibilidade da realização de acordos em processos de natureza tributária: “A iniciativa foi extremamente louvável, assim como a postura dos colegas da PGFN, com quem tivemos um diálogo do mais alto nível”.
Acordo reforça mudança história na atuação da Fazenda
Segundo Lana Borges e Euclides Sigoli, a solução adotada no processo reforça uma mudança histórica na forma de atuação da Fazenda Nacional ao cobrar dívidas tributárias. Especialmente a partir de 2010 – explicaram os procuradores –, o Fisco passou a implementar mecanismos de redução da litigiosidade que também incluem a realização de acordos.
Além de normativos no âmbito da PGFN – como a Portaria 502/2016, que previu a dispensa de recursos e impugnações quando a tese da União tem baixa chance de vitória ou quando a disputa é excessivamente arriscada ou desvantajosa –, os procuradores citaram a edição da Lei 13.988/2020, que regulamentou o instituto da transação tributária (previsto no artigo 156, inciso III, do Código Tributário Nacional).
Os procuradores destacaram, ainda, a publicação da Portaria Conjunta 7/2023, iniciativa da PGFN, da Advocacia-Geral da União (AGU), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dos seis Tribunais Regionais Federais para lidar com as execuções fiscais. Segundo os procuradores, após esse normativo, já foram encerrados mais de 300 mil processos executivos em todo o Brasil.
Transação tributária tem ocorrido tanto em casos judicializados como em outras dívidas
Essa mudança de comportamento do Fisco também foi ressaltada pelo advogado Bichara, para quem a conciliação na ação rescisória demonstra a “superação do paradigma adversarial usual entre a Fazenda Nacional e os contribuintes”, confirmando uma lógica de resolução de conflitos que vem sendo aprimorada no âmbito de casos tributários.
Para buscar acordos em questões tributárias – tanto no caso de execuções fiscais quanto de débitos ainda não judicializados –, Borges e Sigoli informaram que a PGFN mantém equipes especializadas nas seis procuradorias regionais, e isso tem resultado na extinção ou na dispensa de ajuizamento de processos.
“Já nas causas em que se discute a tributação em abstrato, são aplicadas dispensas de manejo de recursos e outras impugnações, além de eventual desistência daqueles que tiverem sido apresentados, sempre que identificado que a União não tem razão, está sujeita a algum risco excessivo ou mesmo quando o litígio for desvantajoso aos cofres públicos”, comentaram os procuradores.
Especialmente no caso do STJ, os representantes da Fazenda destacaram a celebração, entre o tribunal e a AGU, do acordo de cooperação técnica voltado para implementar práticas de desjudicialização e identificar novos temas jurídicos para julgamento no rito dos recursos repetitivos. O acordo já alcançou a solução definitiva para milhões de processos em todas as instâncias.
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