Os consumidores afetados pela crise da 123milhas, que suspendeu em 18 de agosto pacotes e passagens comprados pela linha Promo123, deverão ser os últimos a receber, caso o pedido de recuperação judicial da empresa seja aceito na Justiça, diz o Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania).
Nesta terça (29), a companhia de turismo online entrou com pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte. Na solicitação, alega que tem dívidas de R$ 2,3 bilhões.
“Com a recuperação judicial, há a transferência integral do risco do negócio para os consumidores, que serão os últimos a receber se algum dinheiro existir”, afirma Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do instituto.
De acordo com Silva, isso ocorre porque, caso a recuperação seja aceita, há uma ordem para o pagamento dos credores. “Antes dos consumidores, há os créditos trabalhistas, os tributários e os pautados em garantia real”, diz ele.
Além disso, pelas regras, só se avança para o pagamento da categoria seguinte se a anterior estiver totalmente satisfeita. E, caso não existam ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional, o que significa que os consumidores, além de esperar por sua vez para ser ressarcido, podem receber menos do que pagaram.
Silva explica que os clientes lesados encontram-se “na categoria dos credores quirografários, ou seja, aqueles que não possuem seu crédito pautado em qualquer garantia que seja”.
“O pedido de recuperação judicial era mais do que esperado. Claramente, a 123 Milhas passou a ofertar o produto relativo às passagens flexíveis Promo que, a toda evidência, não se sustentava economicamente. […] Em verdade, quem pagava as passagens dos que hoje viajariam, seria o volume de consumidores que pagavam suas passagens para viajar daqui há dois ou três anos. O negócio ruiria e era uma questão de tempo”, diz.
Para o advogado Alexandre Berthe, especialista em direito do consumidor, o cliente lesado deve acionar a Justiça, mesmo com o pedido de recuperação judicial da empresa, para tentar receber o que gastou na empresa. “A orientação que eu tenho dando para todo mundo que me procura é ir direto para a Justiça”, afirma.
Para ressarcir os consumidores lesados, que segundo a empresa representam 5% dos 5 milhões de clientes anuais, foram oferecidos vouchers, que são parcelados em três a cinco vales-compras.
Berthe acredita que aceitar o voucher não traz segurança ao consumidor. “É como se fosse um cheque e, quando a pessoa vai eventualmente trocar esse cheque no mercado, o mercado sabe que o emissor desse cheque hoje em dia é uma empresa que já está ‘ruim das pernas’”, afirma.
O advogado afirma, no entanto, que é preciso ainda esperar para saber se a Justiça vai aceitar ou não a recuperação judicial, chamado por ele de “salvo-conduto”.
Já Silva, do Ibraci, vê na atitude da empresa uso indevido da recuperação judicial. “Nestes casos, se faz um uso indevido do nobre instituto da recuperação, havendo abuso de direito e tentativa de legitimação da lesão aos credores pelo poder Judiciário, via recuperação.”
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