O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), Alexandre Victor de Carvalho, que a 123milhas precisará pagar R$ 2,3 milhões à KPMG e ao escritório de advocacia Juliana Morais pela constatação prévia feita por eles no caso de recuperação judicial da empresa de viagens.
De acordo com informações divulgadas pela Folha, o valor é considerado altíssimo por especialistas e advogados envolvidos no processo e, segundo representantes dos credores, o desembolso pode afetar a capacidade de pagamento da companhia.
Geralmente, magistrados fixam valores na casa das dezenas de milhares como pagamento por esse serviço.
A constatação prévia é uma perícia feita antes de o juiz decidir se o processo de recuperação judicial tem ou não condições de seguir.
Nesse estágio, escritórios de advocacia e consultorias são nomeados pelo magistrado do caso para verificar, em até cinco dias, se a empresa está, de fato, em operação e se juntou toda a documentação exigida por lei.
Desde 2020, a constatação prévia é prevista em lei, ainda que o texto não obrigue os magistrados a determiná-la.
Até por isso, em casos de recuperação judicial de empresas muito grandes, a Justiça não costuma pedir a constatação prévia. Foi o caso, por exemplo, de Americanas, Light e Samarco – o processo desta última também corre no TJ-MG.
Segundo especialistas, quando é notório que a empresa segue em operação, não há necessidade de exigir o instrumento.
No processo da 123milhas, a juíza Claudia Helena Batista descartou a perícia inicialmente, mas o Banco do Brasil —maior credor da empresa— recorreu da decisão e ganhou em segunda instância.
Na decisão, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho nomeou a KPMG e o escritório de advocacia Juliana Morais como responsáveis pela constatação prévia e fixou que eles deveriam ser remunerados em um valor de 0,1% da causa pelo serviço.
Como a causa é avaliada em R$ 2,3 bilhões, as empresas receberão juntas R$ 2,3 milhões.
“Tendo em vista o alto grau de complexidade do tema proposto e a extensão do trabalho desenvolvido, bem como o afinco e a presteza demonstrados pelos peritos no cumprimento do seu mister, além do significado jurídico e econômico da perícia para as partes, julgo adequado fixar seus honorários em 0,1% sobre o valor da causa”, decidiu o magistrado em dezembro.
Procurado pela Folha, ele inicialmente não quis comentar. Após a publicação do texto, porém, ele procurou a reportagem e disse que a 123milhas tem cerca de 800 mil credores e que, por isso, não é possível comparar sua recuperação judicial com a de outras empresas.
No dia 9 de janeiro, após a 123milhas reservar apenas R$ 1 milhão de seu orçamento para o pagamento da constatação prévia, o desembargador voltou a determinar que a empresa pague os R$ 2,3 milhões.
“A constatação prévia tem de ser apresentada em cinco dias, imagina isso custar R$ 2 milhões, me parece muito. Isso diminui a capacidade da devedora de pagar seus credores, porque quanto mais custoso é o processo, menos dinheiro sobra para o pagamento dos credores”, afirma Daniel Carnio, ex-juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
Ele é considerado o precursor na determinação de perícias deste tipo.
Advogados que estão no processo também comentaram com a Folha que os valores são elevados. Eles não quiseram se identificar.
Procurada, a 123milhas disse que não vai se manifestar, assim como o escritório Juliana Morais. Já a KPMG disse apenas que os honorários são fixados pelo juiz do caso de acordo com critérios da lei.
Como grandes casos de recuperação judicial não costumam ter constatação prévia, é difícil comparar valores pagos geralmente pela Justiça.
No entanto, há exemplos que podem ser avaliados: na recuperação judicial do Grupo Handz, dono da Gocil Serviços de Vigilância e Segurança, a Justiça fixou R$ 50 mil pela constatação prévia.
O passivo da empresa era de R$ 1,8 bilhão. Já na recuperação judicial do Grupo UTC, que tinha R$ 3,4 bilhões em dívidas, a Justiça fixou R$ 40 mil pela perícia.
O maior honorário encontrado pela Folha para esse tipo de pagamento é no caso da Gramado Parks, no qual a Justiça fixou R$ 100 mil pelo serviço. O passivo da empresa era de R$ 1,6 bilhão.
Especialistas avaliam que a complexidade da realização da constatação prévia não necessariamente está ligada ao tamanho das dívidas da empresa em recuperação judicial.
“Isso vai depender da organização de contas da empresa, se ela tiver organizado corretamente já facilita a constatação”, explica Paulo Cesar Azevedo, coordenador de tutela coletiva da Defensoria Pública de Minas Gerais.
Carvalho decidiu ainda que cada um dos três administradores judiciais da 123milhas ganhará 0,5% do valor da causa pelo serviço prestado em todo o processo.
Cada um deles ganhará R$ 11,5 milhões por um serviço muito mais complexo que pode durar anos, enquanto só a constatação prévia, feita geralmente em cinco dias, garantirá a dois deles R$ 2,3 milhões —R$ 1,15 mi para cada. Após a publicação desta reportagem, o desembargador entrou em contato com a Folha e disse que os honorários pagos pela constatação prévia estarão embutidos neste valor.
O post HONORÁRIOS ‘ALTÍSSIMOS’: Desembargador manda pagar R$ 2,3 milhões a administradores judiciais por perícia no caso da 123milhas apareceu primeiro em JuriNews.