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Pesquisa aponta que racismo na Justiça é implícito e tolerado, mas não reconhecido

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O racismo estrutural observado na sociedade se apresenta internalizado no Sistema de Justiça em práticas cotidianas, de modo implícito e tolerado, mas não reconhecido. Além disso, esse fenômeno institucional responde à baixa efetividade das políticas de redução de desigualdade racial existentes e ao baixo grau de letramento racial. Essas são algumas das principais conclusões obtidas pela pesquisa “Características do racismo estrutural (re)produzido no Sistema de Justiça: uma análise das discriminações raciais em tribunais estaduais”, da 6.ª edição da série Justiça Pesquisa, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).  

Os resultados foram apresentados na quinta-feira (28/11), durante o evento Seminário de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias, promovido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ).

Na abertura do webinário, o secretário de Estratégias e Processos do CNJ, Gabriel Matos, ressaltou que a questão do enfrentamento ao racismo é central entre as prioridades da gestão do presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, seja pelo lado do ingresso na magistratura, seja para a gestão do trabalho dentro dos tribunais.  

“A importância desse trabalho vem exatamente nessa coleta ampla de informações, de percepções, e de sistematização delas para que possamos olhar para o futuro e pensar em políticas que sejam efetivamente”, completou a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise de Sousa. 

Realizada por um grupo de pesquisadoras e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), a pesquisa se baseou em entrevistas com membros da magistratura, servidores e servidoras, integrantes do Ministério Público, da Advocacia, da Defensoria Pública e demais operadores do direito, além de observação de audiências e encontros entre esses profissionais. Como apoio e validação, foram analisadas literaturas especializadas sobre as relações raciais no campo do direito brasileiro, dados quantitativos fornecidos pelo CNJ nos anos de 2023 e 2024 e informações sobre políticas antirracistas e de letramento racial adotadas por tribunais brasileiros nos últimos anos. 

Segundo o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP Paulo Eduardo Alves, a pesquisa demonstra que as cotas para o ingresso na carreira são só um dos aspectos importantes. “Mesmo investidas de autoridade, essas pessoas sofrem e vivenciam discriminação”, apontou.  

O professor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF Pedro Heitor Barros Geraldo ressaltou que muitos entrevistados participam da luta antirracista. “Para além da administração dos conflitos cotidianos, essas pessoas estão imbuídas de uma vocação para um aprimoramento institucional”, resumiu.  

“Esse tipo de iniciativa que vocês realizaram no CNJ, na USP de Ribeirão Preto e com a parceria da UFF diz respeito ao Direito, mas vai muito além do Direito”, constatou a professora do Programa de Pós-graduação em Direito, área de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP, Gislene Aparecida dos Santos. “O trabalho vai contribuir enormemente para a compreensão de como o racismo institucional funciona no nosso país”.  

Ao analisar os dados da pesquisa, o diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) Marco Adriano Fonseca ressaltou a necessidade de avanços institucionais, edificando o Estado Democrático de Direito. “A partir de uma nova leitura, de uma nova visão, decolonial, integrativa, inclusiva e plural acima de tudo, estaremos cumprindo os objetivos da nossa Constituição Federal e, sobretudo, o preâmbulo que exorta para uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, declarou.    

Manifestações do racismo 

As narrativas coletadas pelo estudo demonstram que profissionais negros e negras no Sistema de Justiça enfrentam frequentes microagressões, independentemente do cargo que ocupam, além das violências explícitas sofridas por pessoas negras envolvidas em processos judiciais.   

Os pesquisadores ressaltam, no estudo, informações do Diagnóstico Étnico-Racial no Poder Judiciário, do CNJ, que, embora pessoas pretas e pardas representem a maioria da população do país (55,5% segundo a edição de 2022 do Censo do IBGE), elas ocupam menos de 15% dos cargos na magistratura e cerca de 30% dos postos de servidores e servidoras. Enquanto isso, pessoas brancas constituem mais de 80% da magistratura e quase 70% dos servidores e das servidoras. 

A pesquisa destaca que há mais mulheres servidoras (54%) do que homens (46%). No entanto, ao considerar apenas as pessoas negras, os homens ainda são maioria (52% entre os pardos e 53% entre os pretos). Mesmo nos cargos onde as mulheres estão melhor representadas, as mulheres negras (pardas e pretas) continuam sendo duplamente minoritárias em relação às mulheres brancas e aos homens negros. 

Ainda de acordo com o estudo, a discriminação se manifesta na baixa quantidade de pessoas negras que acessam o ensino superior em Direito e nas dificuldades que enfrentam para concluir o curso. Enquanto isso, nos estágios profissionalizantes, em escritórios de advocacia ou órgãos públicos, são relatadas dificuldades em oportunidades, sobretudo na iniciativa privada.  

Segundo o diagnóstico étnico-racial, pessoas negras ocupam majoritariamente cargos de estagiários no serviço público, representando 41% do total. Em contrapartida, os relatos são de que trabalhos hierarquicamente menos importantes e valorizados, muitas vezes, mecânicos, eram designados aos estudantes negros, além de situações vexatórias e de discriminação desvelada. 

Outras características levantadas pelo estudo revelam que, nos concursos de ingresso da carreira jurídica, o racismo está presente desde as condições de preparação até o início do exercício. As trajetórias prévias à aprovação em concursos públicos são desiguais entre brancos e negros. Já na atuação profissional cotidiana, profissionais negros enfrentam discriminações frequentes nos pontos de controle, como a exigência de comprovação de identidade, e recebem tratamento diferenciado nos elevadores e audiências, com episódios de restrição de circulação nos espaços, desqualificação, longas esperas e racismo recreativo, que consistem em opressão racial a partir da expressão de desprezo por minorias raciais sob forma de humor.

Diretrizes e recomendações 

O conjunto de dados e as análises produzidas na pesquisa orientaram a produção de recomendações e políticas voltadas a mitigar os efeitos do racismo estrutural na sociedade, somando-se às propostas já estabelecidas no Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial. A primeira delas é o reconhecimento do racismo institucional por parte dos operadores do Sistema de Justiça, em todos os níveis hierárquicos. Recomenda-se também a criação de estruturas independentes para coleta e registro de informações sobre discriminação, além de apoiar e utilizar dados para pesquisas científicas e independentes.  

Outro eixo de recomendações está relacionado à criação de estruturas e programas de acolhimento e acompanhamento ao longo da carreira, com abrangência em toda a trajetória do profissional, não limitando às políticas ao momento de ingresso. A pesquisa também fala sobre o fortalecimento da política de cotas, com a sugestão de reserva mínima de vagas em todas as fases dos concursos, além de flexibilização das notas mínimas 

Também são sugeridas a criação de comitês permanentes que atuem na concepção e apoio às políticas antirracistas, bem como a incorporação do letramento racial na formação jurídica e no funcionamento do sistema de justiça, com inclusão do tema “Direito e Relações Raciais” em editais e provas do Exame Nacional da Magistratura.  

Por fim, os pesquisadores entendem que é necessário definir e adotar um padrão de condução de procedimentos investigatórios e judiciais envolvendo pessoas negras que não flexibilize garantias processuais constitucionais, siga as regras da legislação ordinária e efetive diretrizes e recomendações do CNJ sobre a temática.  

Série Justiça Pesquisa 

Série Justiça Pesquisa promove estudos e investigações científicas de interesse do Poder Judiciário brasileiro, por meio da contratação de instituições sem fins lucrativos, incumbidas da realização de pesquisas e projetos de desenvolvimento institucional. 

A orientação desses trabalhos tem como base dois eixos estruturantes e complementares. O eixo Direitos e Garantias Fundamentais enfoca aspectos relacionados à realização de liberdades constitucionais, a partir do critério funcional de ampliação da efetiva proteção a essas prerrogativas constitucionais. Já o eixo Políticas Públicas do Poder Judiciário volta-se para aspectos institucionais de planejamento, gestão e fiscalização de políticas judiciárias a partir de ações e programas que contribuam para o fortalecimento da cidadania e da democracia.

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