O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria a favor da manutenção do foro por prerrogativa de função para crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele, mesmo após o agente político deixar a função. A decisão representa uma mudança de entendimento da Corte e foi consolidada a partir do voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso.
Além de Gilmar Mendes, também já votaram pela manutenção do foro após a saída do cargo os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luís Roberto Barroso. O ministro André Mendonça apresentou voto divergente, defendendo que o foro por prerrogativa de função deve cessar assim que o agente político deixa o cargo. O julgamento, que ocorre em plenário virtual, se estende até sexta-feira, 27 de setembro, e os ministros podem alterar seus votos ou proferir novos a qualquer momento.
Mudança de entendimento
O caso em análise envolve um habeas corpus impetrado pelo senador Zequinha Marinho, que pediu que sua situação fosse analisada pelo Supremo. O ex-deputado federal se tornou réu por suposta prática de “rachadinha” enquanto ocupava o cargo. A denúncia afirma que Zequinha exigia que servidores de seu gabinete, entre 2007 e 2014, depositassem mensalmente 5% dos salários nas contas de seu partido, sob pena de exoneração.
Desde 2018, o STF entende que o foro privilegiado se aplica apenas a crimes cometidos por parlamentares durante o mandato e em função do cargo. Se o mandato for encerrado por renúncia, cassação ou não reeleição, a apuração é enviada para a primeira instância. No entanto, Gilmar Mendes propôs uma nova interpretação, sugerindo que a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsista mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.
Voto do relator
Ao proferir seu voto, o ministro Gilmar Mendes destacou que, em caso de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída do cargo. Ele argumentou que o atual entendimento do STF reduz, indevidamente, o alcance da prerrogativa de foro e causa flutuações de competência nas causas criminais, trazendo instabilidade ao sistema de Justiça.
“O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais, para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa”, afirmou o ministro. Ao final, Gilmar Mendes votou por conceder o habeas corpus e reconhecer a competência do STF para processar e julgar a ação penal, propondo a seguinte tese:
“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.”
Ele também propôs a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados pelo Supremo e pelos demais juízos nos moldes da jurisprudência anterior.
Votos dos demais ministros
Ministros como Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Flávio Dino acompanharam integralmente o voto do relator. Para Zanin, a proposta de Gilmar Mendes contribui para a uniformidade, eficiência e segurança jurídica dos provimentos jurisdicionais, evitando oscilações incessantes de competência e procrastinações processuais. Alexandre de Moraes destacou que a aplicação da regra da contemporaneidade nas infrações penais praticadas no exercício da função atende ao princípio da razoabilidade.
Já o ministro Flávio Dino, ao seguir o relator, propôs um item adicional à tese de Gilmar Mendes, estabelecendo que, em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo tribunal competente.
Divergência
O ministro André Mendonça divergiu do relator e votou contra a ampliação do foro por prerrogativa de função. Em seu voto, Mendonça defendeu que o foro deve cessar assim que o agente político deixa o cargo, argumentando que a prerrogativa não é um privilégio pessoal, mas uma proteção do cargo em si. Ele ressaltou que o foro privilegiado visa proteger o exercício do cargo e não a pessoa que o ocupa, e que, ao deixar o cargo, o ex-ocupante deve ser julgado na primeira instância, como qualquer cidadão comum.
O julgamento segue em curso, e os demais ministros têm até o dia 27 de setembro para votar ou pedir vista e destaque.
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