A 13ª Vara do Trabalho da Zona Leste de São Paulo reconheceu a prática de racismo recreativo e religioso contra uma vendedora angolana e condenou a empresa a pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais. A decisão, assinada pela juíza Aline Soares Arcanjo, também converteu o pedido de demissão da trabalhadora em rescisão indireta, diante da gravidade das condutas discriminatórias praticadas no ambiente de trabalho.
Segundo os autos, as agressões verbais ocorreram de forma reiterada, tanto presencialmente quanto por chamadas via Skype. Testemunha ouvida em audiência relatou que dois superiores hierárquicos dirigiam à autora expressões como “sovaquenta”, insinuando mau cheiro, e a chamavam de “Juma” — referência depreciativa associada à falta de higiene e civilidade. Além disso, um supervisor afirmou que a religião da vendedora a tornava moralmente inferior, por praticar rituais com sacrifício de animais.
A empresa alegou em contestação que o uso do apelido “Juma” teria ocorrido em conversa privada e sem intenção ofensiva, chegando a caracterizá-lo como elogioso. No entanto, a magistrada refutou essa argumentação e reconheceu que as práticas configuraram racismo recreativo.
Na sentença, a juíza invocou a Resolução 598/2024 do Conselho Nacional de Justiça, que institui o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, destacando a necessidade de atenção a microagressões raciais. Segundo o protocolo, essas manifestações, ainda que travestidas de brincadeiras, possuem forte impacto psicológico e social, especialmente em ambientes laborais.
Também foi considerada a prática de racismo religioso, com base no Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, elaborado pelo TST e CSJT. De acordo com esse documento, o racismo religioso envolve práticas de ódio e discriminação contra religiões de matriz africana ou indígena, seus fiéis, rituais e símbolos.
A juíza apontou ainda que houve “nítida sobreposição de múltiplos fatores de discriminação”, como raça, gênero e religião, e destacou a omissão da empresa diante das condutas relatadas. “A falta de resposta patronal apenas reforça a discriminação múltipla, estrutural e institucionalizada a que era submetida a reclamante”, afirmou.
Ficou registrado nos autos que a autora não pediu demissão por ter encontrado oportunidade melhor, mas porque a situação na empresa se tornara insustentável. Segundo seu depoimento, ela aceitou novo emprego com salário inferior e comissões reduzidas para preservar sua saúde mental. “Sai da empresa ganhando R$ 1 mil a menos apenas para poder ter paz de espírito”, afirmou.
Diante da gravidade dos fatos, a magistrada determinou a expedição de ofícios ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Estadual para as providências que entenderem cabíveis.
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