As fake news se manifestam de várias formas. Distorções de fatos, boatos e até fraudes intencionais. As notícias falsas podem ter impacto negativo em diversos aspectos, desde investimentos financeiros até processos eleitorais. No último dia 28 de maio, o Congresso Nacional decidiu manter o veto parcial (VET 46/2021) ao Projeto de Lei nº 2.108/2021, que propunha a criação do crime de “comunicação enganosa em massa”. Esse veto, inicialmente proposto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, impede a inclusão de uma nova categoria penal destinada a punir a disseminação de fake news.
A votação desencadeou debates intensos. Os que apoiavam o veto viram o desfecho como uma vitória da liberdade de expressão, enquanto os críticos sustentam que houve a falta de regulamentação é preocupante.
Para além das paixões políticas que permeiam o debate e seus atores principais, o fato é que Brasil já possui uma legislação robusta para combater a disseminação de fake news, inclusive em períodos eleitorais.
O Código Eleitoral, por exemplo, prevê no artigo 323 penalidades para quem divulgar fatos inverídicos durante a propaganda eleitoral ou campanha, com detenção de dois meses a um ano ou multa.
Além disso, a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) estabelece multas para quem realizar propaganda eleitoral na internet atribuindo indevidamente sua autoria a terceiros, e prevê detenção para a contratação de pessoas com o objetivo de ofender ou denegrir a imagem de candidatos, partidos ou coligações.
Também devemos lembrar que a criação de novos tipos penais deve ser criteriosa para evitar a ampliação excessiva do poder coercitivo estatal e a configuração de um Estado policialesco, em conformidade com os princípios constitucionais de liberdade de expressão.
Assim como ocorre com diversas outras leis do ordenamento jurídico brasileiro, eventual falta de aplicação da norma legal existente não pode ser confundida com falta de previsão legal.
As normas já existentes no Código Eleitoral e na Lei das Eleições são suficientes para lidar com a desinformação eleitoral, prevendo penas severas de multa e inclusive de repercussão penal conforme diploma específico!
Vale destacar também que o Código Penal brasileiro já dispõe de dispositivos que podem ser aplicados a diversas formas de fake news, independentemente do contexto eleitoral. Crimes como calúnia, difamação, injúria e até estelionato abrangem condutas frequentemente associadas à disseminação de notícias falsas.
Atualmente, observamos que as fake news estão intrinsecamente entrelaçadas com a polarização política e ideológica que permeia a sociedade. Uma mesma notícia pode ser interpretada de maneiras completamente diferentes, dependendo do espectro político do receptor e até mesmo do emissor. Essa diversidade de interpretações muitas vezes não decorre da veracidade factual da informação em si, mas sim da maneira como ela se alinha com as convicções e crenças preexistentes de cada indivíduo.
Assim, as fake news não são apenas distorções da realidade, mas muitas vezes são construídas sobre interpretações seletivas e manipulativas dos fatos. Elas são utilizadas como uma ferramenta para influenciar a opinião pública, fortalecer determinadas narrativas e desacreditar adversários políticos.
Essa instrumentalização da informação, caso seja levada ao direito penal de forma indiscriminada, pode culminar em graves prejuízos para a própria sociedade.
A criminalização excessiva das fake news pode ameaçar a liberdade de expressão, principalmente quando feita de maneira apressada, e quando levamos em consideração que já existem normas específicas sobre o tema.
A aplicação de sanções penais de forma irrestrita pode levar à autocensura e ao silenciamento de vozes críticas, restringindo o debate público essencial para uma democracia saudável.
É importante ressaltar que a decisão de manter o veto ao projeto de lei não deve ser interpretada como uma tolerância ou legalização das fake news. Pelo contrário, reflete a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e o combate à desinformação, especialmente em um contexto de ânimos políticos inflamados.
A polarização ideológica tem contribuído para a propagação de narrativas distorcidas e para uma percepção seletiva dos fatos, alimentando um ambiente propício à disseminação de informações falsas. No entanto, a manutenção do veto não significa que o problema das fake news esteja sendo negligenciado, mas sim que melhor do que criar novas leis, é seguir a legislação que já existe!
É fundamental que a sociedade, juntamente com as autoridades competentes, continue a buscar soluções que promovam a transparência, a responsabilidade e a integridade na esfera pública, garantindo assim um ambiente democrático saudável e informado.
Eduado Maurício é advogado no Brasil, em Portugal, na Hungria e na Espanha. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema penal y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu; em Direito das Contraordenações e; em Direito Penal e Compliance, todas pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).
Lucas Pita é advogado criminalista formado pela FAAP, autor da obra “A Retroatividade do ANPP Frente o Princípio da Legalidade e a Jurisprudência do STJ/STF”, membro da comissão da advocacia criminal da OAB Cotia e palestrante convidado.
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