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Reconhecimento pessoal sem observar o art. 226 do CPP é inválido em casos de prisão e condenação, estabelece STJ

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A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou, por unanimidade, o entendimento de que o reconhecimento de suspeitos realizado sem a observância dos critérios previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) é inválido e não pode embasar condenação, denúncia ou prisão preventiva.

O julgamento foi realizado sob o rito dos recursos repetitivos, fixando a tese do Tema 1.258. A redação final do enunciado será elaborada em conjunto pelos ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Rogerio Schietti Cruz.

RECONHECIMENTO DO CPP

O artigo 226 do CPP estabelece os seguintes procedimentos para o reconhecimento de pessoas:

  • Descrição prévia: A pessoa que fará o reconhecimento deve descrever previamente a pessoa a ser reconhecida.
  • Alinhamento: O suspeito deve ser colocado, se possível, ao lado de outras pessoas com semelhança.
  • Não visualização: Se houver risco de intimidação, a autoridade deve providenciar para que o suspeito não veja a pessoa que fará o reconhecimento.
  • Auto pormenorizado: Deve ser lavrado um auto detalhado do ato, assinado pela autoridade, pela pessoa que reconheceu e por duas testemunhas presenciais.
  • Reconhecimento inválido não serve como prova

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do caso, propôs a fixação de tese reafirmando que o reconhecimento de pessoas deve seguir, obrigatoriamente, os procedimentos legais, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, sob pena de invalidade da prova destinada a demonstrar a autoria do delito.

Segundo o relator, o reconhecimento feito em desacordo com os critérios legais previstos no artigo 226 do CPP não pode ser considerado válido, mesmo que posteriormente confirmado em juízo, por se tratar de prova “irrepetível”, cuja origem viciada compromete todos os atos subsequentes. Reynaldo rejeitou os termos “nulidade absoluta” e “contaminação da prova”, optando pela terminologia “invalidade”, considerada mais adequada à jurisprudência do STJ.

O relator também destacou a contribuição do ministro Rogerio Schietti Cruz para a mudança de entendimento da Corte. Ele citou a reinterpretação do artigo 226 do CPP proposta no Habeas Corpus 598.886, em 2020, baseada em estudos sobre a falibilidade da memória humana e os riscos de reconhecimentos contaminados por fatores externos, como estereótipos culturais e traços emocionais.

AJUSTES E CRÍTICAS

O ministro Rogerio Schietti Cruz propôs ajustes à redação da tese para evitar interpretações ambíguas. Schietti também sugeriu a inclusão de dois novos pontos: a distinção entre reconhecimento formal e mera identificação nominal de pessoas conhecidas da vítima, e a exigência de congruência entre o reconhecimento e o conjunto probatório, reforçando que, mesmo válido, o reconhecimento não tem força probatória absoluta.

O ministro defendeu ainda a incorporação das diretrizes da Resolução CNJ 484/22 na tese, com destaque para: gravação integral do procedimento; declaração do grau de confiança pela vítima; alerta prévio sobre a possibilidade de a pessoa reconhecida não estar entre as apresentadas; e proibição de apresentações sugestivas, como álbuns compostos apenas por investigados. Por fim, propôs distinguir o reconhecimento formal do artigo 226 dos casos em que a vítima apenas nomeia alguém previamente conhecido, sem caracterizar reconhecimento em sentido técnico.

Schietti Cruz afirmou que o julgamento representa uma verdadeira guinada jurisprudencial do STJ, mas alertou para a resistência ainda existente por parte de operadores do sistema de justiça. “Infelizmente, ainda verificamos […]a não aderência, por parte de diversos setores das corporações que integram o sistema de justiça criminal, às orientações da Corte que tem a competência constitucional de interpretar as leis federais“, criticou.

Os ministros também alertaram para o risco de contaminação do reconhecimento por estereótipos sociais, raciais e culturais. O relator observou que “a nova proposta partiu da premissa de que o reconhecimento efetuado pela vítima em sede inquisitorial não constitui evidência segura da autoria do delito, dada a falibilidade da memória humana (…), além da influência decorrente de outros fatores, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteja exposta ao delito e ao agressor, (…), estereótipos culturais, isso é muito importante, como o humor, classe social, sexo, etnia, etc.

Na mesma linha, o ministro Schietti criticou alinhamentos enviesados de suspeitos: “Se colocamos um rapaz negro ao lado de quatro outros brancos, isso vai comprometer a fidedignidade e a curácia epistêmica do ato. (…) Naturalmente, se a pessoa descrita pela vítima ou testemunha tinha a pele de determinada cor e as demais pessoas exibidas tinham a pele de outra cor, o contraste entre suspeito e dubles induzirá o reconhecedor a apontar quem se destacou no alinhamento.

Os ministros reforçaram que as formalidades do artigo 226 do CPP existem justamente para evitar vieses e proteger o sistema penal de condenações fundadas em memórias falhas e preconceitos estruturais.

REAÇÕES INSTITUCIONAIS

Representantes de diversas instituições se manifestaram. Pela ANACRIM, o advogado Márcio Guedes Berti ressaltou que o artigo 226 do CPP é norma garantidora e não pode ser tratado como mera recomendação.

O IDDD, por meio de Guilherme Carnelós, alertou para a contaminação da memória e a impossibilidade de se corrigir esse vício, propondo tese que afirma a nulidade do reconhecimento irregular e a insuficiência do reconhecimento isolado para embasar condenações.

Pelo Innocence Project Brasil, a advogada Dora Cavalcanti defendeu que o reconhecimento irregular é prova imprestável e deve ser tratado como tal, ressaltando a contribuição da Resolução CNJ 484/22.

O Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG), representado por André Estevam Baldino Pereira, reconheceu a baixa confiabilidade da prova de reconhecimento, mas defendeu que sua invalidade não deve automaticamente gerar nulidade processual, salvo quando se tratar da única prova existente.

A Defensoria Pública da União (DPU), nos casos paradigmáticos, apresentou situações concretas de reconhecimentos falhos, apontando a necessidade de absolvição por ausência de provas válidas.

CASOS EXEMPLARES

A tese foi aplicada aos quatro recursos representativos da controvérsia, com decisões distintas, conforme o conjunto probatório:

REsp 1.953.602: Absolvido. Reconhecimento inválido por ausência de alinhamento adequado, falta de descrição prévia e não juntada das imagens aos autos.
REsp 1.986.619: Recurso negado. Reconhecimento ratificado por provas autônomas.
REsp 1.987.628: Recurso negado. Prisão em flagrante logo após o crime e provas independentes justificaram a condenação.
REsp 1.987.651: Absolvido. Reconhecimento contaminado por influência externa entre vítimas e contato prévio com o suspeito.

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