A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, em julgamento realizado nesta quinta-feira (13), que o juiz pode exigir a emenda da petição inicial quando identificar indícios de litigância abusiva. A exigência deve ser fundamentada e observar a razoabilidade do caso concreto, respeitando as regras de distribuição do ônus da prova.
A decisão foi tomada no julgamento do Tema Repetitivo 1.198, que uniformizou a interpretação sobre o tema. O colegiado também decidiu substituir o termo “litigância predatória” por “litigância abusiva”, conforme a terminologia adotada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O relator, ministro Moura Ribeiro, destacou que a litigância de massa é uma realidade das sociedades modernas e não deve ser confundida com a prática abusiva do direito de ação. “Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui inegavelmente manifestação legítima do direito de ação amparado constitucionalmente”, afirmou.
No entanto, segundo o ministro, há casos em que “verdadeira avalanche de processos infundados, marcados pelo exercício de uma advocacia censurável, dita agora predatória, não encontra respaldo legítimo no direito de ação”. Ele mencionou que órgãos de inteligência e audiências públicas já identificaram sérios problemas decorrentes dessa prática.
Moura Ribeiro ressaltou que a exigência de documentos para comprovar o interesse de agir ou a verossimilhança do direito alegado já foi admitida pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas situações. “Poderá o juiz, a fim de coibir o uso fraudulento do processo, exigir que o autor apresente extratos bancários, cópias do contrato, comprovante de residência, procuração atualizada e com poderes específicos, dentre outros documentos, a depender de cada caso concreto”, explicou.
Sobre a procuração, o ministro citou o artigo 682 do Código Civil e esclareceu que “caso o advogado apresente instrumento muito antigo, dando margem à crença de que não existe mais relação atual com o cliente, é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida com a juntada de novo instrumento”.
O ministro Humberto Martins apresentou voto-vista, no qual defendeu que a competência para apurar possíveis infrações da advocacia cabe exclusivamente ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Sempre competirá privativamente ao Conselho Federal da OAB apurar se os procuradores agiram ou não com má-fé ou se praticaram infrações”, argumentou. Ele também destacou que o mandato concedido ao advogado deve ser interpretado conforme a autonomia da vontade das partes. “Se as partes não estipularam no instrumento um prazo final para sua validade e eficácia, entender-se-á que o mandato era por prazo indeterminado”, pontuou.
O ministro Luís Felipe Salomão enfatizou que a necessidade de coibir a litigância abusiva não deve restringir o amplo acesso à Justiça. “Temos que tomar cuidado para o remédio não matar o paciente”, advertiu. Segundo ele, a quantidade de ações, por si só, não deve ser critério para restringir o direito de petição. Salomão sugeriu que, na fase de cumprimento de sentença, a exigência de procuração atualizada ou reconhecimento de firma deve ser a exceção, salvo previsão contrária no mandato.
Também em voto-vista, Salomão propôs um complemento ao voto do relator, destacando que a gestão processual deve buscar um equilíbrio entre a repressão a fraudes e a garantia do direito de petição, sem impor barreiras excessivas ao Judiciário. O ministro ainda sugeriu a substituição do termo “litigância predatória” por “litigância abusiva e fraudulenta”, em conformidade com a terminologia adotada pelo CNJ.
Além disso, Salomão apresentou uma tese alternativa, defendendo que a exigência de procuração atualizada ou firma reconhecida na fase de cumprimento de sentença deve ser exceção, salvo previsão contrária no mandato. Segundo ele, a evolução do processo para essa fase não deve automaticamente implicar em novas exigências burocráticas que dificultem o acesso à Justiça.
Diante das discussões, a tese final foi ajustada para a seguinte redação:
“Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.”
Além da exclusão do termo “litigância predatória”, a decisão do STJ assegurou a possibilidade de ações em massa quando a lesão for ampla, afastou a exigência de renovação de procuração com prazo de validade e manteve as regras de distribuição e inversão do ônus da prova conforme previsto em lei, desde que haja comprovação da relação jurídica controvertida. Também foi garantida a observância dos critérios já definidos em lei para identificação de demandas fraudulentas ou de má-fé e reafirmada a competência da OAB para apurar e punir abusos cometidos por advogados. Os ministros João Otávio de Noronha, Isabel Gallotti, Raul Araújo e Ricardo Villas Bôas Cueva concordaram com a tese, mas ficaram vencidos quanto à retirada da frase “respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.
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